Até ontem contabilizamos 2,2 milhões de casos, 82,7 mil mortes, índice de letalidade de 3,7 %, (dados do Ministério da Saúde). Como sub item temos ainda nas últimas 24 horas 1,2 mil mortos e 67,8 mil novos casos. Sendo assim, temos números alarmantes, se considerarmos os mesmos dados há um mês. Somos vice-campeões mundiais no campeonato da tragédia. Mesmo assim, sentimos um estágio de letargia e sono profundo da população, pois esta se acostumou com a morte, tendo-a como parceira fiel no convívio diário. Alguns comentários como “alguns morrerão, com certeza”, são proferidos aos quatro cantos sem nenhum pudor. Essa frase não soa bem aos meus ouvidos. Não tem jeito. Não consigo me acostumar com a leniência que emprestamos à morte das pessoas.
O pior de tudo é que assistimos estarrecidos e sem ânimo alguns cidadãos (eles não gostam que os chamemos assim. É uma ofensa) que se revoltam com medidas impostas para o enfrentamento do mal do século, e aí mostram as suas garras afiadas e saiam da frente porque o desfecho pode ser trágico. Já vimos de tudo: derrubadores de cruzes simbólicas em praias, agressões a profissionais da saúde, a jornalistas, insultos, hostilidades, menosprezos pelos supostamente inferiores na escala sórdida de figuras asquerosas, tudo porque se acham donos de suas atitudes mesmo que em ocasiões firam os direitos dos outros. Esses cidadãos são sádicos e amantes da sua prepotência e do seu caráter movediço, que se desfaz ao primeiro confronto de suas ideias insanas.
Isso não é um fenômeno da atualidade. A matéria que embasa o teor em referência traz registros que retratam uma triste realidade: a nossa ignorância é secular, sem mutações e com apenas alguns matizes. Note-se que a mesquinharia da política com “p” minúsculo é uma constante em nossa história de fortuitos surtos epidêmicos, sendo que outrora tínhamos como causa do radicalismo a auto defesa dos direitos de cada um e hoje isso não tem peso, pois o que menos importa é a preservação da vida. Isso é permutado por posições ideológicas arraigadas que recrudescem com a teimosia, o negacionismo científico e a ignorância sistêmica.
O início do século XX marca as ações para erradicar a varíola, que no meio de um Rio de Janeiro abandonado à sorte (parece que o filme se repete nos dias atuais), se constituía num vetor de mortes e contaminações preocupantes. Naquele momento, as autoridades chamaram para si a responsabilidade e aí surgiu um inimigo cruel: o povo com a sua ignorância. A revolta foi grande, pois os defensores dos seus limites sem limites nunca enxergaram que não podem se sentir “o dono da cocada preta” quando o assunto põe em risco a saúde e a vida das pessoas. Pois é, esses sádicos contumazes se revoltaram com a obrigatoriedade da vacina, como a dizer: “em minha vida mando eu”, esquecendo-se que a rebeldia, em certos casos, afeta a vida de terceiros. Esse episódio ficou conhecido como “A Revolta da Vacina”. Como é difícil entender isso!
Se observarmos, vivenciamos o mesmo estado de burrice humana nos dias atuais. Tem gente que se julga acima da lei e de todos e não aceita, “nem que a vaca tussa”, que determinações sejam dadas por pessoas e órgãos que os energúmenos teimam em desrespeitar, pois não se vêm submissos a quem, supostamente, é inferior a eles.
Nesse pandemônio temos outra batalha ferrenha pela frente, que se travará quando da descoberta e aplicação da vacina para prevenção do corona vírus. Isso porque o Brasil está desmoralizado pela sua postura negligente e negacionista no combate à pandemia e não sabemos que tratamento nos será dispensado com relação à produção e distribuição da vacina. Já se vislumbra uma verdadeira batalha, pois o poderio econômico do capitalismo financeiro já ameaça dar as cartas no gerenciamento do assunto no mundo. O protecionismo que nunca deixou de ser praticado pelas grandes potências econômicas deverá se acentuar em breve para o desespero das nações do terceiro mundo, grupo no qual, acredito, estamos inseridos nesse momento.
Ainda bem que temos um corpo científico qualificado e reconhecido mundialmente e que a parceria com os órgãos sanitários mundiais nos trarão bons frutos e luzes. Se o “diabo” não atrapalhar, poderemos atravessar “o mar vermelho” com dificuldades, mas com fé e êxito.
FONTE e FOTO: Super Interessante, matéria de 15.07.2020