O TREM DE SAPÉ E MARI EM 1883 – “IÇAPÉ”, “ARAÇÁ” & “CAMARAZAL”, TERRA DO ALGODÃO? – SANBRA, FÁBRICA DE ÓLEO DE MAMONA E DESVIO NOS TRILHOS DA GREAT WESTERN – MARGARINA VEGETAL SUBSTITUIU A BANHA DE PORCO NAS COZINHAS – USINAS DE DESCAROÇAMENTO E FÁBRICAS DE ÓLEO FORAM ABANDONADAS EM VÁRIAS CIDADES – PARTE 25
A estação de Sapé foi uma das primeiras inauguradas pela The Conde D’Eu Railway Company Limited em 7 de setembro de 1883, no trecho inicial da Capital da Província da Parahyba do Norte até o povoado de Camarazal, posteriormente denominado de Mulungu, na época pertencente ao município de Guarabira (chamado de Vila da Independência).
Conforme pesquisa fotográfica de campo “in-loco” feita pelo militante ecológico Valério Bronzeado, a ferrovia que ligava Cobé, Sapé, Mari e Guarabira (Vila da Independência) também passava em frente ao estabelecimento de descaroçamento algodão da família Soares de Oliveira, em Mulungu. Neste local o grupo nasceu e prosperou.
“O amplo prédio atualmente abandonado poderia ser reaproveitado como um Centro de Capacitação de Mão de Obra Técnica, iniciativa superimportante numa cidade com baixos índices sociais”, sugere Valério.
Sapé sempre foi um importante centro comercial na Mesorregião da Mata Paraibana, Microrregião de Várzea, desde o seu surgimento como produtor de algodão, se destacando posteriormente com o cultivo das culturas da cana-de-açúcar e abacaxi. Mari sempre foi considerado o maior produtor de fumo (tabaco) do Estado e também de toda região Nordeste, naquela época.
Atualmente, tudo isso está abandonado ou foi vendido para implantação de loteamentos residenciais, como no caso de Sapé, onde até o antigo Campo da Sanbra, como era chamado, deixou de ser um estádio de futebol administrado pela Prefeitura Municipal e passou também a servir como terreno para construção de moradias, sendo demolido no final da década de 1990, logo após o principal clube local, o Confiança, ter sido Campeão Paraibano do certame profissional da 1ª Divisão, em 1997.
A Usina Santa Helena, fabricante de açúcar, álcool e melaço, foi uma das maiores da região, com boa parte de seu escoamento produtivo sendo feito através de trens, exportando para diversas partes da região, até ser fechada com a morte do seu fundador, Comendador Renato Ribeiro Coutinho (apelidado de “Capitão da Indústria”) e a falência do Pró-Álcool, programa de incentivos fiscais patrocinado por verbas do Governo Federal, na época do Regime Militar de 1964 a 1988.
Antes disso, Sapé também foi por muito tempo um pólo algodoeiro, com usinas de desencaroçamento de plumas e sementes de algodão, como a CIDAO (Companhia Industrial de Algodão e Óleos) e posteriormente SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro), se destacando no setor industrial. Inclusive existia um desvio ferroviário na avenida principal da cidade para o complexo industrial da CIDAO (posteriormente a SANBRA adquiriu as instalações, na década de 1930).
A Sanbra fez-se presente em diversos outros Estados, a saber que aqui na Paraíba, contava com “9 depósitos, 6 descaroçadores de algodão, 1 prensa de alta densidade, 1 fábrica de óleo de caroço de algodão”. Na Bahia detinha “2 depósitos”, enquanto outros três estados do Nordeste contavam com apenas uma atividade, ou seja, “1 depósito em Alagoas, Rio Grande do Norte e Ceará” (Sanbra, 1954).
A Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro, S. A. (Sanbra), como seu próprio nome diz, iniciou com atividades no ramo do algodão. Seu histórico teve início quando surgiu, em 1919 no Recife, a firma Cavalcanti & Cia. Em seguida, “a Bunge adquire a empresa Cavalcanti & Cia. que, em 1923, mudaria seu nome para Sanbra, tornando-se a primeira empresa da Bunge no segmento de oleaginosas” (Bunge. Brasil, 2012).
Na mesma época de seu surgimento, “o caroço de algodão passou a ser usado para fins alimentares, através da extração e do refino do óleo” (Sanbra, 1973b, páginas 12 e seguintes).
Com apenas seis anos de existência, a nova firma já lançava um produto pioneiro no mercado para atender à demanda doméstica.
“Em 1929 a Sanbra lança o Salada, feito de caroço de algodão, primeiro óleo vegetal comestível fabricado no país. O óleo revolucionaria os hábitos alimentares de consumidores, que na época usavam banha de porco” (Bunge. Brasil, 2012).
Para industrializar o caroço de algodão, a Sanbra implantou seu parque industrial no distrito de Areias, em Recife-PE. Do caroço, além do óleo comestível e margarina, sabão, glicerina e outros produtos industriais, produzia torta e farelo, utilizado como ração animal e no preparo de fertilizantes.
Em Campina Grande, na Paraíba, a Sanbra “instalou-se em 1935-1936 com um escritório de compra de algodão em pluma e mamona em bagas. Em fins de 1949 começou a operar a sua fábrica de óleos” (Sanbra, 1975, página 22).
Pelos dados da revista, em meados da década de 1970 o seu complexo industrial permitia o esmagamento de caroço de algodão, semente de oiticica, amêndoas de babaçu e tucum, além de soja.
Em 1958 teve suas instalações ampliadas, atingindo a capacidade de 130 toneladas per dia de caroço de algodão. Seus principais produtos eram óleos brutos, farelo, casca e linters (fiação para linhas de costura e tecidos para roupas).
Normalmente, os óleos brutos eram transferidos para a refinaria de Areias, no Recife, enquanto o farelo de algodão era exportado. As instalações de Campina Grande, na Paraíba, empregavam, em 1975, mais de 200 pessoas.
Campina Grande era conhecida como a Liverpool brasileira, sendo considerada o segundo pólo de comércio de algodão em nível internacional. Foi atrás desta produção de matéria prima que a “Sanbra chegou à cidade em 1935, onde construiu uma grande estrutura” (Araújo e Sousa, 2015).
Neste local operou um depósito, um descaroçador de algodão, uma prensa de alta densidade e uma fábrica de óleo de caroço de algodão.
Depois de adquirida a matéria-prima, o processo de industrialização iniciava-se com a separação do caroço e da pluma. Para esta finalidade, a Sanbra chegou a contar no início da década de 1980, com 25 usinas de beneficiamento de algodão espalhadas em nove estados.
O parque fabril da Sanbra contava com nove plantas industriais entre fábricas de óleos comestíveis e industriais; refinarias de óleos comestíveis, em cinco Estados. Neste caso, a diversificação de produtos apresenta outros aspectos, uma vez que tais plantas industriais também estavam capacitadas para produzir óleos e demais subprodutos, além do algodão, a partir do milho, amendoim, oiticica, mamona e arroz.
Por Giovanni Meireles, jornalista – Exclusivo para Sapé de Outrora – O Farol de Mari.