Inusitada a deliberação do Senado Federal em dividir em duas fases o julgamento de Dilma Rousseff: a primeira tratando de sua destituição e a segunda de sua inabilitação. O Senado deu uma demonstração de que produz as leis para que elas sejam por ele próprio descumpridas. Um péssimo exemplo de total desrespeito à lei. Senão, vejamos.
O artigo 52 da Constituição Federal determina ao Senado Federal a competência privativa para processar e julgar por crimes de responsabilidade o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, entre outras autoridades, dispondo no parágrafo único que a condenação limita-se à perda do cargo com inabilitação para o exercício de função pública por oito anos. Nada mais claro e cristalino, pois, que essa norma, nada justificando a votação separada para a perda do cargo e para a inabilitação.
A decisão assim tomada serve para que novas ações judiciais sejam movidas perante o Supremo Tribunal Federal, tanto da parte da defesa da presidente cassada para pedir a anulação da destituição, quanto de partidos políticos para pedir a anulação da habilitação. É o caso do advogado de Dilma Rousseff que cogita mover mandado de segurança sob o argumento de vícios processuais e do PMDB, PSDB e DEM, que igualmente cogitam mover também mandado de segurança contra a segunda decisão que permitiu o exercício de função pública.
É lamentável que o nosso país tenha se transformado numa terra sem lei. Mesmo quando uma Alta Casa Legislativa contraria o ordenamento jurídico nacional, sob o beneplácito da mais Alta Corte Judiciária, na presidência da sessão de julgamento. Tudo denota que houve acordos entre os participantes do processo, tornados juízes sob a direção do presidente do STF que, como ninguém mais que ele, tinha a obrigação de obstar a manobra criada para burlar a lei e de haver pugnado pela preservação da honra e do decoro funcional.
Isto é uma vergonha. E ainda surge o presidente do Senado para com a Constituição na mão falar alto e em bom som, de que o momento não poderia ser consentâneo com o “além de queda, coice”, um ditado popular de sua terra que demonstra o vilipêndio ao inimigo derrotado. Ele, que tal qual o outro, tinha o dever e a obrigação de dar cumprimento integral à lei, para que seja preservada a segurança jurídica nos processos e julgamentos.
Condenar e atenuar a pena não é aplicável a este caso. A lei manda que se destitua e se inabilite, nada mais. Proceder como o acontecido é usar poder discricionário não previsto na norma constitucional. A inabilitação é pena vinculada ao afastamento definitivo e não pode ser decidida separadamente. Portanto, o STF como guardião da Constituição se verá recebendo novas demandas, mas de certo, manterá a decisão primeira de destituição e corrigirá a segunda para o alcance da inabilitação. Caso contrário, de nada serve a Constituição.
Nada de conversas, de suposições, de hipóteses. Só existe justiça com aplicação correta da lei. A inabilitação é pena acessória à perda do mandato, aplicada de forma automática. Não sendo assim, o que há é estímulo à impunidade e, consequentemente, à prática da corrupção, crime que se vem dando combate com muita veemência e coragem. Há que se esperar agora o “decisum” do Supremo Tribunal Federal.