Tenho um amigo advogado que me disse certa vez: “Em se tratando do Direito, tudo é possível, inclusive o impossível”. Fiquei intrigado e descontente com a assertiva, pois sempre achei que o Direito não poderia se sobrepor à razão. Agora entendo e concordo com o meu amigo causídico. “Em matéria de Direito, quando se quer tudo pode”. Tudo vai depender da supremacia capitalista que alguns podem exercer sobre outros que não podem nada.
A subjetividade do ordenamento jurídico brasileiro propicia um leque amplo de possibilidades, tornando impossível para o leigo ou neófito, uma compreensão razoável sob o prisma da racionalidade.
A notícia da semana, com amplitude elástica e repercussão nacional, foi sem dúvida o crime de trânsito patrocinado por um jovem do clã paraibano. Nada de se considerar acidente, porque o ato foi intencional, não obstante o estado de embriaguez etílica, que segundo se apurou, se encontrava o autor do delito criminal. Chamar o protagonista de suspeito, só porque ainda não foi julgado me parece mais uma prática ridícula da mídia paraibana, que usa o embasamento jurídico para blindar com armadura de aço o jovem infrator.
O ato em si é revoltante e não tem como retirá-lo da comoção social, pois o sentimento de impunidade e injustiça ficou bastante acentuado com a decisão surreal de um desembargador, que diante do envolvimento de um amigo em um crime de trânsito, resolve fazer hora extra (obviamente remunerada), numa madrugada de sábado para domingo e livrar, de maneira inusitada o flagrante do suposto homicida. A lógica do nobre causídico, que está na iminência de assumir a presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba, foi que o infringente poderia ir dormir tranquilamente, pois tem bons antecedentes e que não se justificaria a prisão de uma pessoa tão boa, mesmo matando dolosa e intencionalmente um agente do trânsito no exercício do seu labor.
Relembrando o caso. Blitz da Lei Seca no bairro do Bessa, carros parados para as inspeções legais dos seus condutores, quando um jovem, de posse de uma máquina veloz, que tem aceleração de 0 – 100 Km/hora em menos de cinco segundo, transpassa o bloqueio, atropela um agente do trânsito, ferindo-o gravemente, não presta socorro à vítima e foge em alta velocidade. Por justiça do acaso, uma das placas do veículo se desprendeu, expondo a identidade do auto da saga irresponsável e trágica. O Porsche é um verdadeiro “The Flash”. Mais veloz que ele somente a justiça da Paraíba, que em pouquíssimas horas soluciona um problemão de uma família ricaça.
Defendo que o bom senso recomenda que o desembargador amigão mereça ser investigado sob a ótica do abuso do poder. Algumas questões a ponderar: a) o jurista estava dentro do seu plantão realmente? b) Ele pesquisou a folha corrida do criminoso para embasar o seu despacho para um habeas corpus preventivo? c) Tenho curiosidade de saber o lapso temporal entre a hora do acolhimento do pedido e a efetiva assinatura do remédio jurídico que livrou, em parte, a pele do homicida; E uma pergunta inevitável: o desembargador teria despachado com tanta rapidez e esmero se o envolvido fosse um Zé da Silva qualquer? Esse é o profissional que irá assumir a presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba. Muito “justo” e rápido, ensinando ao Brasil o caminho para uma justiça célere.
Tenho estranhado a atitude da imprensa local. O corporativismo de alguns profissionais da imprensa para com o império do café moído e da afiliada da TV Globo (pertencente ao grupo poderoso de vínculo familiar com o motorista criminoso) chega a ser ridícula. Ouvi um comentarista (da CBN local) tentando minimizar a tragédia, crucificando a comoção social como se fosse possível se manter o “sangue de barata” diante de tantas providências em defesa do responsável por uma tragédia, transformada em acidente, esquecendo o real significado do termo. Claro que não defendemos o linchamento do infeliz rapaz, que também deixa infeliz a sua honrada família. Penso que deva responder dentro dos ditames da Lei, excluindo os conhecidos benefícios que o dinheiro compra. Penso que mais infeliz ainda está a família da vítima fatal, que assiste pasma e anestesiada, uma série de atitudes injustas, tudo em nome do devido processo legal.
Mais corporativista ainda foi a Associação dos Magistrados, que, através de nota subscrita por sua presidente, repudiou a comoção popular, passando a ideia de que, tanto a juiza que despachou o pedido de prisão do infrator quanto o despachante do habeas corpus preventivo estão corretos em suas ações. Ora, se um anulou o ato do outro não tem como considerarmos os dois corretos sob os aspectos da lei. Aceito está enganado no meu raciocínio se alguém me convencer, afinal, como disse o meu amigo, “Em se tratando do Direito, tudo é possível, inclusive o impossível”. Notemos que o habeas corpus livrou o criminoso (cometeu crime) do flagrante, que garantiria peso no julgamento, pois poderia confirmar o estado de embriaguez do condutor da máquina veloz no momento do crime. Ora jovem magistrada, a sociedade é que tem o direito de repudiar atos de uma justiça cada vez mais prosélita e corporativista.
A associação a qual a senhora representa magistrada precisa escolher a forma como devem decidir os juízes. Na nota os senhores defendem que os juízes precisam ter assegurado o direito de interpretar a lei e decidir conforme o seu entendimento. Noutro trecho da inoportuna nota defendem que “devendo cada juiz decidir livremente de acordo com as provas que lhe são apresentadas”. Claro que concordamos com o último entendimento.
“Por fim, a AMPB espera que prevaleça o respeito ao Poder Judiciário e a seus magistrados, como resguardo da ordem democrática, calcado em preceitos éticos e princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito e a liberdade de expressão responsável”.
Dizemos que deva prevalecer o respeito a uma sociedade cada vez mais usurpada em seus direitos e anseios, afinal é ela que paga a conta de todos. Não concordamos que a justiça seja serva do poderio econômico e que sejam resguardados não só os preceitos éticos e princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito, como também a moralidade dos atos jurídicos.
Por fim, o estado de mudez que escolheu a defesa no depoimento à polícia evidencia a culpabilidade do jovem envolvido. Vamos aguardar os acontecimentos, esperando que a justiça seja feita e a família da vítima indenizada pelo evento da morte do seu membro. Todos nos clamamos por justiça. O ato do Desembargador pode até ser legal, mas é imoral, mormente está revestido de várias interrogações inexplicáveis.
Esperamos que a velocidade do desembargador seja uma regra e não exceção.
Ah! E o Trump? Isso é papo para outro dia. Não vamos misturar as tragédias.