“Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja”.
Augusto dos Anjos
É preciso um real drama humano para que voltemos aos palcos das reflexões e posições paradoxais. Onde vamos parar com a nossa insensatez?
Noite de São, o céu todo estrelado, colorido de balões, especialmente no interior, em uma cidade do nosso velho Pernambuco. Um ator global, protagonista de uma festa que era sua cria, num daqueles momentos pelos quais estamos sujeitos a passar, baldeia as águas do seu rio límpido, idealizado em um evento popular da cidade de Arcoverde (PE).
Tomando uma posição imparcial, longe dos acessos de comoções, por vezes fruto das nossas extravagâncias analíticas, sempre tendentes ao politicamente correto, encorajo-me em me posicionar desgostosamente sobre o fato de um ator famoso, bem sucedido e resolvido, gente do bem, “chuta o pau da barraca”, como que movido pelo tempero do destempero, com perdão do trocadilho.
Até aqui nada demais. Fosse um Zé ninguém o fato passaria despercebido, sem antes o “arruaceiro” levar uma camada de pau, como dizemos por estas bandas. É claro que não aplacamos nenhuma atitude de violência, e vale saliente, também não houve nenhuma ação de violência física com o famoso ator. Desta vez não há de se falar no propalado e violento despreparo da polícia, na visão de muitos. Não podemos colocar esse débito na conta da polícia. Ela foi chamada para manter a ordem e cumpriu o seu papel.
Como se vê não se quer aqui criar um clima de guerra ator x polícia, e sim destacar a histeria popular, ávida de justiça própria, chegando a babar na gravata quando encontra uma possibilidade de massacrar o seu algoz.
Também não pode ser imputada nenhuma crítica à imprensa, pois a exposição ridicularizante partiu de pessoas, que parece não entender que ali estava um ser humano, em estado etílico superando a pontuação razoável, além do histórico de dependência química que martiriza o ator. O bandido desta vez foram alguns insensatos.
Não obstante, não vamos aliviar a barra do bom moço, principalmente depois de afirmar que não ingeriu nenhuma substância ilícita, ou seja, não estava drogado, aqui a raiz do seu problema. Fica a lição para ele, que esperamos servir como antídoto para o mal (dependência química).
Por uma questão de honestidade de propósitos, tenho a coragem de confessar que à primeira vista repudiei a atitude do autor. Ao assistir um vídeo que me foi enviado pelas mídias sociais, onde o personagem, já “enjaulado” no compartimento do veículo da polícia, proferia palavras ofensivas às autoridades que o detiveram, numa atitude patética, digna de pena, ao invés de censura. Foi aí que me tocou o coração: como posso julgar alguém apenas por um vídeo amador, criado por pessoas que se regozijavam com as cenas deprimentes, de um ser humano com problemas conhecidos?
Não satisfeito com a minha repulsa emocional momentânea, fui a fundo na apuração dos fatos, quando li muitas matérias sobre o caso, e aí formulei o meu ponto de vista em definitivo, convicto de que o cidadão em referência não merece as excrescências a que foi submetido por uma plateia doente.
Demonstra-se que se trata de uma pessoa do bem. Pisou feio na bola, pois considero esses artistas famosos, além de seres humanos, merecedores de respeito e tratamento igualitário, como espelhos sobre os quais muitos de nós nos refletimos.
Fica a lição para o ator. Fica o alerta para todos nós. Para aquele, o fato deve servir de guia de amadurecimento em busca da cura para o mau que lhe atormenta. Para esses (nós), a límpida lição de que não podemos analisar a ponta do iceberg, carregando o nosso ódio sobre aqueles que não rezam pela cartilha que defendemos. Precisamos ser tolerantes e paradoxalmente implacáveis exigentes na aplicação de punições a quem insiste em viver às margens das leis, mesmo estas não sendo nenhum primor em nosso País.
No caso em referência, “a mão que afaga parece a mesma que apedreja”.