Hoje, 24.03.2020, amanheço, e a primeira coisa que fiz, como sempre faço, foi agradecer a Deus por mais um dia e a autorização que ele me concedeu para abrir os olhos e contemplar a natureza. Logo em seguida, lembrei que hoje é a 91ª primavera da Dona Irene, a minha querida mãe. Tudo estava programado para comemorarmos em família esta feliz data, mas quis o destino que isso não fosse possível. A família toda está levando a sério os riscos da pandemia do corona vírus, e resolvemos preservar a nossa joia rara, eliminando qualquer risco de contágio. Comemoraremos depois, quando tudo voltar à normalidade, o que esperamos seja breve.
Vale salientar o tempo que reclamávamos que não tínhamos e que agora existe em quantidade enorme. Isso faz com que a gente procure se ocupar em acompanhar o que acontece no Brasil e no mundo, num cenário nebuloso da pandemia que vai chegando, e por onde passa deixando um rastro de destruição e medo.
Não obstante a preocupação mundial com o “filme” que assistimos, desolados e apreensivos, nos deparamos com figuras do empresariado brasileiro, nas pessoas dos senhores Luciano Hang (o véio da Havan), Roberto Justus (empresário e velho conhecido da TV) e Junior Dusk, (dono dos restaurantes Madeiro). Fico motivado a fazer uma explanação sobre a visão mesquinha e desumana, com requintes de crueldade e desprezo pela vida humana que acompanha a lógica empresarial dessas três figuras sombrias.
Na visão rasa e cruel dos três empresários, a vida de alguns velhinhos não pode se sobrepor aos sérios problemas econômicos que advirão da crise que se anuncia. Ai, em análises apenas numérica, os três mega empresários deixam a entender que é preferível morrer alguns milhares de pessoas a por em risco os seus pomposos negócios, mantidos, por vezes, às custas do sacrifício humano da mão de obra fragilizada que se instalou no País, notadamente nos três últimos anos, onde há um abismo enorme entre a elite e a base piramidal representada pela maioria pobre da população brasileira. “Quer dizer: “não podemos por em risco os empregos e a atividades econômicas do País em troca de algumas vidas”, numa verdadeira versão da naturalização da morte quando a tragédia não afeta os nossos (deles). Quero entender que se houvesse a possibilidade de escolha de quem deveria morrer e que dentre os escolhidos encontrássemos parentes dessas figuras, eles manteriam as suas convicções. Será?
É horripilante ouvir expressões de desprezo à vida. Um deles tenta justificar suas insanidades mostrando uns gráficos e fazendo comparações com a Itália e a Espanha. Nesses países morrer aos montes é uma aberração. Não podemos justificar a necessidade de mantermos os negócios rentáveis em detrimento da vida, afinal, de que adiantará lojas abertas e de suas janelas e portas passemos a contemplar um amontoado de mortos sendo carregados em comboio para incineração em algumas covas abertas, numa versão atual dos horrores do holocausto.
Assumo a posição de radical ao adiantar que não aceito qualquer argumento que justifique as posições dessas três figuras nebulosas do empresariado brasileiro. Não sou adepto a boicotes, mas, desta vez, assumo o firme propósito de não adentrar nenhum estabelecimento que pertença a uma dessas três aberrações, que injustamente ainda os conceituamos de seres humanos.
Tudo isso vai passar. O Brasil está conduzindo a coisa de forma correta, não obstante o recrudescimento da ignoraria humana que às vezes se estabelece em algumas pessoas. Ainda bem que algumas bestas de dentro do Governo não se sobrepõem àqueles de boa fé e capacidade já demonstradas.
A ganância empresarial do capitalismo selvagem, que mostra a sua cara diante da crise, é uma questão que deve ser analisada quando tudo isso passar. O modelo opressor de concentração de renda e de fragilidade da mão de obra precisa ser discutido e combatido com todas as ferramentas que essa tragédia momentânea está nos propiciando.
Claro que devemos olhar a questão da economia, mas não deve prevalecer sobre vidas. Isso é miopia ou maldade. Uma coisa não deve excluir a outra. Todos devem buscar a harmonia entre a razão e o coração, lembrando que o bem estar do ser humano é a razão das nossas lutas nesse cenário complexo de sobrevivência imperativa.