O projeto anticorrupção que tramita na Câmara dos Deputados tem por fundamento o conjunto de medidas propostas neste sentido pelo Ministério Público. São 12 medidas assim discriminadas: 1) aplicação de teste de integridade no serviço público; 2) torna crime o enriquecimento ilícito de funcionários públicos; 3) eleva a pena para diversos crimes; 4) aperfeiçoa o sistema recursal penal; 5) agiliza a tramitação da ação de improbidade administrativa; 6) dificulta a ocorrência da prescrição penal; 7) altera regras para nulidades processuais; 8) responsabiliza partidos políticos pelo crime de caixa dois; 9) confisco do produto do crime; 10) amparo legal para denúncias em defesa do patrimônio público; 11) realização de acordo penal; 12) reforço de regras para a realização de ações populares. Como se vê, o item 8 prevê o crime de caixa dois. Pelo projeto, os candidatos que receberem ou usarem doações que não tiverem sido declaradas à Justiça Eleitoral irão responder pelo crime de caixa dois, com pena de dois a cinco anos de prisão e os seus partidos políticos irão pagar multas.
Estabeleceu-se, no entanto, uma grande polêmica em torno de algumas dessas medidas, especialmente em relação à criminalização da prática do caixa dois. O argumento levantado é o de que quando uma lei é criada e esta prevê um novo crime, essa lei somente poderá ser aplicada para atos praticados após sua criação. Com base nesse princípio, alguns parlamentares argumentam que, caso o caixa dois seja criminalizado, todas as transações anteriores a esse momento de criação da lei não poderão ser objeto de punição. Em outros termos, se o caixa dois virou crime, não era crime antes. Portanto, cabe anistiar a todos que no passado vieram a fazer caixa dois nas suas campanhas eleitorais. Em decorrência, passou a tramitar uma emenda ao pacote de medidas do seguinte teor: “Não será punível nas esferas penal, civil e eleitoral doação contabilizada, não contabilizada ou não declarada, omitida ou ocultada de bens, valores ou serviços, para financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral realizada até a data da publicação desta Lei.”
Atualmente, não há lei específica que estabeleça punição para transações de caixa dois. Todavia, existem leis que, embora não tratem especificamente do caixa dois, servem para punir esses tipos de transações. A lei eleitoral, por exemplo, pune com prisão de um a cinco anos quem inserir ou fazer declaração falsa ou omitir documentos da prestação de contas da campanha eleitoral. Também, se forem ilícitas as origens de montantes movimentados em caixa dois, há possibilidades de que essas transações sejam enquadradas em outros crimes, tais como corrupção e lavagem de dinheiro. Assim, para se efetivar a anistia, torna-se obrigatória a previsão desse perdão no texto da lei de forma explícita. Não pode ser simplesmente uma anistia concedida de forma automática abrangendo todos os tipos de crimes, inclusive os correlatos. Os crimes anistiados terão que ser identificados e declarados. E é isto que está a dificultar o progresso da proposta da emenda, pois o que se encontra no seu fundamento é a intenção oculta de anistia geral, beneficiando partidos políticos e todos os políticos conhecidos e desconhecidos envolvidos nas operações da Lava Jato.
Preocupado com a possibilidade de a anistia vir a ser aprovada no Congresso Nacional, o Procurador Geral da República quer assegurar-se de que os crimes correlatos ao caixa dois, como o de corrupção e lavagem de dinheiro, continuem a ser julgados de acordo com a legislação vigente à época em que foram praticados. Anistiar por tabela os crimes correlatos é retroceder negativamente. A Justiça Federal em nota firmada em 24.11.2016 pelo Juiz Sérgio Moro anunciou que “toda anistia é questionável, pois estimula o desprezo à lei e gera desconfiança. Então, deve ser prévia e amplamente discutida com a população e deve ser objeto de intensa deliberação parlamentar. Preocupa, em especial, a possibilidade de que, a pretexto de anistiar doações eleitorais não registradas, sejam igualmente beneficiadas condutas de corrupção e de lavagem de dinheiro praticadas na forma de doações eleitorais, registradas ou não. Anistiar condutas de corrupção e de lavagem impactaria não só as investigações e os processos já julgados no âmbito da Operação Lava Jato, mas a integridade e a credibilidade, interna e externa, do Estado de Direito e da democracia brasileira, com consequências imprevisíveis para o futuro do país”.
Urge, pois, que mais uma vez a população brasileira se movimente por seus representantes, pelas instituições civis, movimentos de rua, exigindo que os parlamentares da Câmara e do Senado não aprovem a anistia nos termos atuais pretendidos. Não obstante o acordo feito entre os presidentes do Executivo e Legislativo (Michel Temer, Renan Calheiros e Rodrigo Maia), para impedir a anistia do caixa dois, é o povo do Brasil o maior interessado neste sentido, pois é ele que virá a ser o maior prejudicado. A anistia do caixa dois é maléfica ao povo brasileiro, desconstrói a moral pública do Brasil e depõe contra a virtude política nacional, se é que ainda existe alguma virtude entre os políticos brasileiros. É nos bastidores a tentativa de destruir a Operação Lava Jato, salvaguardando da delação da Odebrecht os interesses escusos dos grandes, médios e até parte dos pequenos partidos políticos. A emenda representa uma anistia ampla, geral e irrestrita, de todas as irregularidades cometidas por políticos nas prestações de contas das campanhas eleitorais, lavagem de dinheiro e corrupção, alcançando todas as esferas jurídicas, cível, penal e eleitoral, afastando qualquer tipo de pena e repatriação de dinheiro desviado. É o caos moral e político da sociedade brasileira.