Corria o ano 2000 quando publiquei uma crônica com o título Auxílio-Moradia: o Começo. Naquela oportunidade eu dizia: “O povo brasileiro foi novamente desrespeitado pelos seus dirigentes nacionais. Os Poderes da República criaram manobras para dissimular um reajuste da remuneração de parte do funcionalismo público, concedendo aos juízes uma verba que se denominou auxílio-moradia. Não observaram, porém, que nos interiores deste país, juízes já recebem esse auxílio, proporcionado pelos tribunais estaduais em convênio com as prefeituras municipais. A decisão judicial não parece ter sido jurídica, mas sim, política, porque com isto, conseguiu-se impedir que os magistrados entrassem em greve, enquanto tramitam há anos nas instâncias superiores, movidas pelos funcionários públicos, tantas ações que pugnam pela reconstituição de muitos dos seus direitos notoriamente violados”.
E dizia ainda: “O auxílio-moradia concedido aos juízes é, na realidade, uma equivalência salarial, posto que já beneficia deputados e senadores. Daí porque ele deverá ser o ponto de partida para a conquista do direito de terem os demais funcionários públicos seus salários reajustados, não devendo os juízes negar-lhes isto quando tiverem de prolatar as suas sentenças. O princípio da isonomia os servirá de norte jurídico, e a equidade de norte moral”.
No ano 2000, quando o auxílio-moradia foi instituído os rendimentos de um magistrado era de R$ 12.000,00, hoje a categoria está na faixa de R$ 33.000,00. E o valor atual do benefício é de R$ 4.377,35. Mas, o auxílio-moradia não se restringiu ao Poder Judiciário. Os Poderes Executivo e Legislativo são também beneficiários. Ministros de Estado atualmente o recebem no montante de R$ 7.000,00, Senadores recebem no valor de R$ 5.500,00 e Deputados no de R$ 4.253,00.
Na época o STF – Supremo Tribunal Federal concedeu liminar para seu recebimento a todos os juízes que não estivessem trabalhando em suas cidades de origem, estendendo posteriormente a todos os magistrados do país, indistintamente estando ou não deslocados de suas comarcas. Hoje, do Judiciário têm direito todos os magistrados, mesmo que possuam imóvel próprio aonde estão lotados; do Legislativo, todos os parlamentares e do Executivo, todos os ministros e servidores de médio e alto escalão têm direito quando não há imóvel funcional à disposição.
Agora, decorridos 18 anos da criação desse auxílio-moradia ressurge o debate, predispondo-se o STF a apreciar a questão em plenário. Na verdade, o auxílio-moradia foi e permanece sendo uma complementação salarial, para categorias mais bem remuneradas e que podem financiar suas moradias. Este auxílio-moradia deve ser revisto e regulamentado, sem perder de vista o seu caráter de excepcionalidade, como o de deslocamento de domicílio.
A questão não se restringe ao campo econômico, mas abrange largamente a moralidade pública. Jamais poderá servir de complemento de salário. Enquanto assim permanecer, continuará sendo o benefício da escamoteação da verdade, que mancha a imagem de seus beneficiários ante a enorme massa de trabalhadores que não tem onde morar. Auxílio-moradia é a continuação da vergonha pública, enquanto se mantiver nos moldes imorais da forma de sua concessão.
Ailton Elisiário é advogado e professor