Aposentadoria compulsória do ex-juiz do Rio amplia lista de sanções a magistrados e procuradores ligados à força-tarefa, enquanto conselhos ainda analisam dezenas de processos
Com a decisão unânime do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última terça-feira (4), o ex-juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, foi aposentado compulsoriamente por irregularidades cometidas durante sua atuação na Operação Lava Jato. A medida, considerada a sanção mais grave na esfera administrativa da magistratura, tornou Bretas o décimo integrante da força-tarefa a ser formalmente punido por conselhos de controle do Judiciário e do Ministério Público, informa o jornal O GLOBO.
Bretas, que já estava afastado desde 2023, foi acusado de negociar penas com investigados, pressionar réus, interferir em delações premiadas, agir com motivação política em decisões judiciais e promover abusos funcionais. Embora a aposentadoria compulsória tenha efeito imediato, ele continuará recebendo proventos proporcionais ao tempo de serviço, conforme previsto na legislação. A defesa ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A decisão reacendeu o debate sobre o legado da Lava Jato e aprofundou o racha entre ex-integrantes da operação. Nas redes sociais, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba e rosto mais conhecido da operação, saiu em defesa de Bretas, sugerindo que a pena foi excessiva.
Processos arquivados e trajetória política
Moro, embora alvo de dezenas de representações ao longo de sua atuação como juiz da Lava Jato, não chegou a ser punido. Desde que deixou a magistratura em 2018, acumulou 31 processos arquivados no CNJ. Para o jurista Thiago Jordace, doutor em Direito pela Uerj, essa imunidade teve prazo de validade:
— Com o pedido de exoneração, Sergio Moro deixou de ter qualquer vínculo com o CNJ. Se ainda usasse a toga, dificilmente escaparia de um afastamento — avaliou.
Já o ex-procurador Deltan Dallagnol (Novo), que também deixou o Ministério Público para seguir carreira política, teve um destino diferente. Cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023, ele acumulou duas sanções administrativas enquanto ainda era procurador: uma advertência, por críticas ao STF em entrevista, e uma censura, por publicações nas redes sociais contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
A cassação de Dallagnol teve como base o argumento de que ele pediu exoneração do cargo já ciente de que ao menos 15 procedimentos poderiam se transformar em processos disciplinares e, eventualmente, em penas mais severas. O ministro Benedito Gonçalves, relator do caso no TSE, afirmou:
— O recorrido agiu para fraudar a lei, praticando de forma capciosa e deliberada uma série de atos para obstruir os procedimentos administrativos disciplinares contra si e, assim, elidir sua inelegibilidade.
Dallagnol nega as acusações. O caso se agravou após a demissão de seu colega, o procurador Diogo Castor de Mattos, que instalou um outdoor em homenagem à Lava Jato em Curitiba. Castor foi punido em 2021, mas reintegrado à carreira dois anos depois, após decisão que considerou excessiva a penalidade.
Demais sanções e investigações paralisadas
A lista de sanções e investigações que atinge a Lava Jato é extensa. O procurador Eduardo El Hage, ex-coordenador da operação no Rio, foi suspenso por 30 dias após ser acusado de vazar informações sigilosas, ao lado de outros dez membros da força-tarefa. Apenas ele e Gabriela Goes, identificada como responsável pela publicação no site do Ministério Público Federal, foram punidos. O processo contra ambos, contudo, segue parado desde agosto de 2023 e pode prescrever ainda neste ano.
Outro caso que permanece sem desfecho envolve 12 procuradores acusados pelo doleiro Cláudio Souza de coação em delação premiada. O professor Thiago Varela, da PUC-Rio, aponta que a lentidão nos processos disciplinares decorre das garantias constitucionais de membros da magistratura e do MP:
— Juízes e procuradores podem ser punidos por irregularidades, mas não podem ser exonerados, sendo a aposentadoria compulsória a pena mais severa. A perda do cargo só ocorre após condenação criminal com trânsito em julgado — explica.
Afastamentos e reviravoltas
Entre os juízes, a sanção mais comum foi o afastamento cautelar. Em 2024, foram afastados os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima, ambos do TRF-4, além dos juízes Gabriela Hardt e Danilo Pereira, que sucederam Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba. O CNJ entendeu que houve desvio na destinação de recursos de acordos de delação e leniência, concentrados exclusivamente na Petrobras, em descumprimento de decisões do STF. Posteriormente, no entanto, os magistrados foram reconduzidos aos cargos.
Já o juiz Eduardo Appio, também da vara de Curitiba, foi afastado em 2023 após suspeita de ameaça ao filho de um desembargador do TRF-4. Até hoje, não retornou às funções.
Fora da esfera dos conselhos, o caso mais grave envolveu o desembargador Francisco Barros Dias, do TRF da 5ª Região, condenado a 38 anos de prisão por suposto envolvimento em esquema de venda de sentenças ligadas à Lava Jato. Em 2023, ele foi absolvido.
Sombra sobre o legado da operação
A Lava Jato, que entre 2014 e 2017 foi considerada o maior esforço anticorrupção da história do país, hoje enfrenta uma série de reveses e reavaliações institucionais. Ao mesmo tempo em que punições alcançam figuras-chave da operação, outros casos seguem sem resolução ou são arquivados discretamente.
A judicialização de seus membros e a politização de suas consequências colocam em xeque o futuro de operações semelhantes e provocam reflexões profundas sobre os limites do poder investigativo e a responsabilização de autoridades públicas. Com a aposentadoria compulsória de Marcelo Bretas, o CNJ adiciona mais um capítulo a essa história ainda em aberto.
COM O GLOBO