O que faz um carro ser popular? Preço? Economia de combustível? Segurança é um aspecto frágil, sem dúvida. Tecnologia também. Design é mais subjetivo. E aí? Mudar um padrão é algo complicado na indústria de carros, por diversos motivos, mas é justamente o que propõe o Renault Kwid, novo popular da marca francesa que chega em agosto às lojas de todo o País. Com porte de SUV e visual bem resolvido, o substituto do hatch Clio promete revolução em vários quesitos, a começar pelos preços: a versão de entrada Life 1.0 parte de R$ 29.990, e a topo de linha Intense 1.0 estreia a R$ 39.990. São valores acessíveis e até agressivos, tal como deve ser em um carro “popular”.
Mas o que o Kwid tem além do preço? Bom, a Renault trabalhou exaustivamente neste pequeno-grande compacto, de modo a torná-lo referência em consumo, segurança, espaço e custo/benefício. Depois de fracassar no crash-test indiano, o Kwid foi quase todo modificado para o mercado brasileiro. Trocou 80% dos componentes e recebeu 30% de aços reforçados em sua estrutura, que é global e originará outros modelos nos próximos anos. Além da plataforma mais rígida, o Kwid nacional, produzido em São José dos Pinhais, Paraná, sai de fábrica com dois pontos de fixação Isofix para cadeirinhas infantis e quatro airbags, frontais e laterais, em todas as versões. É o primeiro da categoria a oferecer esta oferta.
O crossover também aposta em uma cabine generosa para as suas proporções. O Kwid tem o mesmo entre-eixos (2,42 metros) do Up, mas é 8 cm mais comprido que o rival da Volkswagen. A comparação com o Mobi é ainda mais favorável ao Renault: o hatch pequeno da Fiat tem curtinhos 2,31 m de entre-eixos. O resultado reflete no porta-malas, com até 290 litros (o maior do trio) — são 280 l no Up e 230 l no Mobi. Com maior amplitude, a cabine do Kwid teoricamente oferece espaço para até cinco adultos. Porém, importante pontuar que três adultos no banco traseiro podem ficar apertados. Na pratica, o banco de trás é ideal para dois adultos. Visualmente, a grande surpresa é o bagageiro, pelo tamanho do modelo.
Além do espaço interno amplo, o Renault Kwid possui características reais de utilitário esportivo, tais como altura em relação ao solo (compatível por exemplo com o líder dos SUVs, Honda HR-V) e os ângulos de entrada e saída. A posição de dirigir é naturalmente impactada, e o motorista e o passageiro ficam mais verticais, transmitindo a sensação de se estar em um carro com centro de gravidade mais alto. Esse conjunto de características acabou por enquadrar o Kwid como SUV – o modelo inclusive será classificado como utilitário esportivo no próprio documento. A Renault aposta alto nessa imagem de SUV, uma vez que a categoria vive uma explosão nas vendas.
Só que o Kwid é popular, e, como o termo sugere, precisava de uma mecânica que o colocasse como referência em economia de combustível. Pois bem, a Renault lançou em 2016 a nova família de motores SCe (sigla de Smart Control Efficiency ou Controle Inteligente de Eficiência), e o pequeno SUV estreia uma nova variante de 1.0 litro, com comando simples (em vez de duplo no cabeçote) e menos potência e torque na comparação com o 1.0 de três cilindros lançado na dupla Sandero e Logan. No caso do Kwid, o 1.0 3C gera potências de 66 cv e 70 cv a 5.500 rpm, e torques de 9,4 kgfm e 9,8 kgfm a 4.250 rpm, sempre com gasolina e etanol, nesta ordem. Com este rendimento, a Renault anuncia que o Kwid tem a melhor relação peso/potência do segmento, e o melhor consumo misto da categoria com gasolina: 15,2 km/l segundo o Inmetro (Nota A).
Para o pacote ficar completo, era necessário que o Kwid oferecesse ainda um acabamento bacana e um cardápio atraente de equipamentos. Pois bem, a Renault vai para a disputa com três configurações. A de entrada (Life) é voltada a frotistas. Não tem direção elétrica nem ar-condicionado, itens opcionais a partir de outubro. Para os consumidores comuns, haverá a opção intermediária Zen (R$ 34.990) e a topo de linha Intense (R$ 39.990). A primeira é mais enxuta, tem ar, direção, vidros e travas, além de preparação para som. O rádio com Bluetooth e USB acrescenta R$ 400. Já a mais cara vem com rodas de liga aro 14, faróis de neblina e cinco apoios de cabeça. Na estreia, o Kwid Intense virá com o Pack Connect, que acrescenta a central multimídia Media NAV, com tela touch de sete polegadas, além de retrovisores elétricos e chave do tipo canivete.
Primeiras impressões
Para um carrinho popular, que estreia com preços agressivos, o Kwid surpreende bastante. Por fora, a dianteira avantajada o faz parecer maior do que é. A carroceria é cheia de músculos e tem altura elevada em relação ao solo, o que realça a proposta de ser um SUV. Por dentro, o modelo chama a atenção pelo capricho no acabamento. As peças são bem recortadas e os plásticos transmitem boa qualidade, com ótimos encaixes e texturas agradáveis. Por outro lado, isso não significa luxo, pelo contrário. Tudo na cabine do Kwid é bastante simples. Há parafusos aparentes e pouca variação dos materiais. A versão topo de linha Intense, claro, é a mais bacana de todas. Oferece molduras e detalhes coloridos no painel — é a mais “cool”.
O design lembra muito o padrão visto na dupla Sandero e Logan. A porção central do painel é destacada e carrega o rádio ou a tela multimídia, no caso da versão Intense. Ali também ficam os controles do ar-condicionado. Tudo no Kwid é muito simples e intuitivo. Na comparação com o modelo indiano, foi descartado o quadro de instrumentos projetado em um visor monocromático. Para o Kwid brasileiro foi adotado um quadro mais completo e convencional, com velocímetro e conta-giros (a partir da Zen). Um dos destaques no pequeno SUV é o volante reduzido, que dá um charme e tem excelente encaixe. Pena que não há ajuste de altura, nem de profundidade — que ajuda demais a encontrar a melhor posição.
Ao volante, o Kwid pode dividir opiniões. Como popular, está absolutamente dentro da proposta. É um dos mais leves do mercado (apenas 780 kg) e tem um rodar agradável — apesar de barulhento e vibrante. A relação peso/potência (11,1 kg/cv) é praticamente a mesma do Up. Só que a Renault optou por reduzir a performance do 1.0 tricilíndrico, e o popular não empolga. A direção é gostosa e oferece respostas bem diretas, mas as acelerações são modestas. Mesmo sem se ressentir de potência e torque, o Kwid não produzirá rompantes, nem se levado ao limite de giros. A equação da Renault pode parecer equivocada, mas a marca priorizou o baixo consumo e até mesmo aspectos como manutenção.
Nesse sentido, o Kwid chega como referência em vários quesitos, mas não em desempenho. É aquela velha história: na ponta do lápis, o Renault é quase imbatível. Se a estratégia da marca vai dar certo, ninguém sabe. No caso do público brasileiro, a compra do carro costuma ser guiada em boa parte pela emoção. Visualmente e dentro da cabine, o Kwid convence. No bolso também. Resta saber se ganhará o coração dos brasileiros no volante. Como produto, o Kwid parece a escolha perfeita daqueles que buscam um carro absolutamente urbano, para o dia a dia na cidade. Se esta for a necessidade, não haverá desapontamento. Mas o é essencial entender a proposta do modelo. Afinal, o Kwid é um popular na essência.
R7