O Papa Francisco criou uma comissão eclesiástica para estudar a possibilidade de que as mulheres venham a ser diaconisas. O tema divide a Igreja Católica e se vier a ser admitido, o fato representará uma importante mudança histórica na vida eclesial.
Vê-se no Novo Testamento que na Igreja primitiva homens e mulheres eram nomeados para o exercício da diaconia. O apóstolo Paulo confiou à irmã Febe, que era diaconisa na igreja de Cencréia, uma carta que deveria ser levada a Roma (Rm 16, 1-2) e recomendou a Timóteo que as mulheres indicadas ao diaconato fossem respeitáveis e fiéis em tudo (1Tm 3, 11). Nas Constituições Apostólicas VI, 17, uma obra do Século XVI, assim registra: “seja assumida como diaconisa uma virgem pura ou ao menos uma viúva fiel e honrada, que se tenha casado uma só vez”.
As funções da diaconisa estavam restritos a alguns poucos serviços, tais como o atendimento aos pobres, enfermos e peregrinos. Não exercitavam as mesmas funções do diácono, a quem ficava subordinada, agindo apenas com a aprovação deste. Nas Constituições Apostólicas VIII, 28, lê-se: “a diaconisa não dá a benção, nem faz o que fazem os presbíteros e os diáconos; apenas ela guarda as portas e, quando as mulheres são batizadas, ela assessora o sacerdote, tendo em vista a decência”. Tal como se vê em Didascalia III 5, 6, uma obra do Século III, e em muitos decretos pontifícios e conciliares, as mulheres estavam proibidas de fazer o serviço do altar, homilias no culto sagrado, administrar o batismo, entre outros. O Concílio de Orange I, do ano 441, proíbe a ordenação diaconal de mulheres.
A figura da diaconisa na Igreja se extinguiu a partir do Século VI, com a rarefação do batismo de adultos. Hoje, porém, com o protagonismo acentuado do leigo na Igreja, as mulheres passaram a desempenhar importantes trabalhos em seu seio. Elas já exercem vários ministérios e exercem muitas atividades nas pastorais. Colaboram na celebração da missa e realizam tarefas as mais diversas determinadas pelos padres. Todavia, sendo-lhes vedadas as funções de diácono, já se pensa em que elas possam vir a ser chamadas ao diaconato.
Atualmente o ministério do diácono exercita três “munus” próprios: o “munus docendi”, o “munus santificandi” e o “munus regendi”. Pelo primeiro proclama a Escritura instruindo e exortando o povo, pelo segundo exerce a oração, o batismo, a Eucaristia, a benção matrimonial, a administração sacramental e a encomendação funeral e, pelo terceiro exercita a caridade pelas obras assistenciais.
A Tradição da Igreja, porém, designa um não paralelismo do trabalho feminino com o masculino. Santo Epifânio distingue as funções auxiliares das mulheres das funções ministeriais do diácono. Diz ele: “Quanto à categoria das diaconisas, existente na Igreja, não foi destinada a cumprir funções sacerdotais ou outras similares” (Panarion LXXIX 3).
Ora, essas restrições traduzem uma cultura do passado, não mais aceita nos dias atuais. A presença feminina nos templos sempre foi marcante, tornando-se mais significativa ainda com os trabalhos que elas desenvolvem. Tais posicionamentos não se coadunam mais com a realidade da Igreja hodierna, apresentando-se incompatíveis com o diaconato propriamente dito. Tanto que o Santo Papa João Paulo II, em sua Carta Apostólica sobre a Dignidade da Mulher diz: “Em todo o ensinamento de Jesus, como também no seu comportamento, não se encontra nada que denote a discriminação, própria do seu tempo, da mulher. Ao contrário, as suas palavras e as suas obras exprimem sempre o respeito e a honra devidos à mulher. A mulher recurvada é chamada “filha de Abraão” (Lc 13, 16), enquanto em toda a Bíblia o título “filho de Abraão” é atribuído só aos homens” (Mulieris dignitatem 13).
O Papa Paulo VI mediante a Carta Apostólica Sacrum Diaconis Ordinem estabeleceu as normas fundamentais para a formação dos diáconos permanentes, que é conferida apenas a homens de idade madura, solteiros, casados ou viúvos. Daí, a proposição para a sua concessão às mulheres, que a Comissão agora vai analisar.
A questão principal, todavia, repousa em que a diaconia masculina possui uma natureza de sacramento, enquanto a feminina não. O diácono por agir “in persona Christi” representa Cristo na medida em que exerce o seu ministério, diferentemente da diaconisa que representa o Espírito Santo. Ademais, na ordenação o diácono recebe a imposição das mãos enquanto a diaconisa também, mas sem valor sacramental. Visto desse modo, pode-se admitir que o ministério da diaconisa não é sacramental, mas um ministério laical ou de serviço. Isto, porém, não responde às intenções dos que querem ver as diaconisas equiparadas integralmente aos diáconos.
Na minha ótica, as mulheres podem e devem ser diaconisas, desde que qualificadas tais quais os diáconos. Penso que aquelas diferenças não devem existir, considerando a importância do protagonismo do leigo hoje e da necessidade dos serviços das mulheres para a vida da Igreja. As restrições que venham ser impostas ao diaconato feminino implicam na criação de um diaconato menor ou, em outros termos, a uma volta ao passado longínquo que não se quer. Se não houver um avanço para além dessa direção, não há sentido na aplicação do termo diaconisa às mulheres que já exercem o seu ministério, ficando apenas o fato no mundo das aparências.
Professor, membro da ALCG