O governo federal recorreu contra a decisão provisória que proíbe dar nota zero para redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que tenham trechos interpretados pelos avaliadores como contrárias aos direitos humanos.
O recurso foi protocolado nesta sexta-feira (3) pela Advocacia Geral da União (AGU) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), de acordo com a assessoria do órgão. A Procuradoria Geral da República também recorreu nesta sexta ao Supremo com o mesmo objetivo.
A AGU representa o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), entidade responsável por organizar o exame e estabelecer os critérios de correção das provas que devem ser seguidos pelos avaliadores contratados.
Segundo a assessoria de imprensa da AGU, o recurso será analisado pela presidente do STF, Cármen Lúcia, durante o plantão – a Corte iniciou feriado prolongado na quinta (2). O primeiro dia do Enem será neste domingo (5) e inclui a prova de redação.
A ação da AGU busca derrubar uma decisão da Justiça Federal tomada em um processo movido pela Associação Escola Sem Partido. Na ação, o Inep e a AGU argumentam que o Enem segue a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Brasileira. “A educação está associada aos direitos humanos, assunto que deve ser objeto de avaliação na prova como um todo, e não apenas em determinada competência”, diz a peça.
Minoria contra os direitos
Ter a redação anulada por causa de trechos com desrespeito aos direitos humanos foi problema para uma minoria em 2016. Das redações anuladas no ano passado, 0,08% levaram zero por esse motivo. O número exato de candidatos que defendeu ideias contrárias aos direitos humanos ao abordar o problema da intolerância religiosa e, por causa disso, teve a prova anulada, foi 4.798.
No total, 5.881.213 provas de redação do Enem 2016 passaram pela correção. Dessas, 291.806 acabaram com a nota zero por uma série de motivos, a grande maioria (70,6% dos casos) porque o candidato ou não compareceu para fazer a prova, ou compareceu, mas deixou a redação em branco. O segundo principal motivo para a nota zero no Enem 2016 foi a fuga ao tema, que representou 16% dos casos.
Entenda a polêmica
A liberdade para desrespeitar os direitos humanos foi solicitada em uma ação judicial movida pela Escola Sem Partido. No pedido em tramitação no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a Associação Escola Sem Partido sustenta que a regra não apresenta critério objetivo e tem “caráter de policiamento ideológico”.
“Ninguém é obrigado a dizer o que não pensa para entrar na universidade. O edital viola o direito de livre expressão do pensamento do candidato”, diz Romulo Martins Nagib, advogado do movimento, em entrevista ao G1.
Entretanto, apesar da decisão provisória, outro trecho do edital ainda mantém como regra que a “proposta de intervenção” respeite os direitos humanos. A proposta de intervenção é uma das cinco competências exigidas dos alunos, e cada uma delas vale 200 pontos. Ao desrespeitar os direitos humanos ao dissertar sobre o problema proposto, o candidato vai tirar zero apenas neste item e poderá, no máximo, tirar nota 800 na redação.
Argumento contra a decisão
No texto, a AGU argumentou que desde 2013 o Inep adota o critério e que ele está claro no manual de redação. O órgão divulgou inclusive exemplos de frases que foram interpretadas como desrespeito os direitos humanos.
“Pode-se dizer que determinadas ideias e ações serão sempre avaliadas como contrárias aos direitos humanos, tais como: defesa de tortura, mutilação, execução sumária e qualquer forma de “justiça com as próprias mãos”, isto é, sem a intervenção de instituições sociais devidamente autorizadas (o governo, as autoridades, as leis, por exemplo); incitação a qualquer tipo de violência motivada por questões de raça, etnia, gênero, credo, condição física, origem geográfica ou socioeconômica; explicitação de qualquer forma de discurso de ódio (voltado contra grupos sociais específicos)”, conforme trecho do Manual de Redação do Enem.