Jair Bolsonaro e Alexandre Ramagem.Créditos: Reuters/Folhapress
Esquema operado dentro da agência comandada por Ramagem tinha como objetivo fornecer dados sigilosos e monitoramentos ilegais ao ex-presidente
A Polícia Federal (PF) afirmou, em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que o ex-presidente Jair Bolsonaro era o “principal destinatário” das informações produzidas pela rede clandestina de espionagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante sua gestão.
De acordo com o documento, o esquema operado dentro da Abin, então comandada por Alexandre Ramagem — hoje deputado federal (PL-RJ) —, teria como objetivo fornecer dados sigilosos e monitoramentos ilegais diretamente ao ex-presidente. “Jair Messias Bolsonaro figura como o principal destinatário do produto das ações clandestinas e da instrumentalização da Abin”, afirma o relatório.
A investigação começou após uma reportagem do jornal O Globo, em março de 2023, revelar a compra de um sistema espião utilizado pela Abin para rastrear a localização de pessoas em todo o país sem autorização judicial.
Documentos endereçados a Bolsonaro
Segundo a PF, documentos encontrados com Ramagem tinham títulos como “Bom dia, Presidente” e “Presidente TSE informa”, que eram direcionados explicitamente a Bolsonaro. Parte desse material trazia críticas ao sistema eleitoral e foi compartilhado com contatos identificados pela PF como ligados diretamente ao ex-presidente.
Em um dos casos, o conteúdo do arquivo “Presidente TSE informa” foi enviado via WhatsApp para um contato identificado como “JB 01 8”, cuja foto de perfil era de Bolsonaro. Já o documento chamado “Abin Pendências”, com informações relacionadas à pandemia de Covid-19, foi repassado para o contato “JB 01 5”, também associado ao ex-presidente, segundo a corporação.
Apesar de, em depoimento ao STF, Alexandre Ramagem ter negado o envio dos documentos, afirmando se tratar de “anotações pessoais”, a PF destacou que esse argumento não condiz com as evidências. Para os investigadores, os textos seriam “rascunhos de mensagens que seriam efetivamente encaminhadas”.
O relatório da PF também aponta que as informações produzidas pela Abin paralela “eram utilizadas para beneficiar o núcleo político” do então presidente, com ações direcionadas contra adversários e questionamentos ao sistema eleitoral.
Suspeita de interferência na Receita
Além do esquema de espionagem, a PF identificou indícios de que Bolsonaro também teria atuado para interferir na Receita Federal, tentando favorecer seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), alvo de um relatório de inteligência que apurava movimentações financeiras suspeitas.
O ex-secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, relatou à PF que foi procurado por Flávio Bolsonaro, que questionava o trabalho dos auditores fiscais. Tostes afirmou que as acusações contra os servidores não tinham fundamento. Diante da resistência do então secretário em ceder às pressões, Bolsonaro teria atuado diretamente para impedir a nomeação do corregedor-geral escolhido por Tostes.
O ex-presidente tentou emplacar no cargo o auditor aposentado Dagoberto Lemos, que não atendia aos requisitos legais. A nomeação só seria possível após um decreto presidencial editado em agosto de 2021, flexibilizando as regras. Mesmo assim, diante dos impedimentos, Tostes pediu exoneração.
Bolsonaro não foi indiciado
Apesar das conclusões do relatório, Bolsonaro não foi formalmente indiciado pela PF neste inquérito. Isso porque ele já responde, no Supremo Tribunal Federal, por acusações relacionadas à tentativa de golpe de Estado, onde parte desses mesmos elementos são analisados.
Caberá agora à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir se o ex-presidente também será formalmente denunciado pelos crimes de organização criminosa e uso indevido da máquina pública no âmbito da investigação da Abin paralela.
Com informações do Globo