O Jornal do Brasil dá continuidade à publicação de trechos dos textos, que podem servir de inspiração para o momento atual do país.
Cícero fala em um de seus tratados sobre a ganância e a propriedade privada:
Na proteção dos direitos dos indivíduos, nós devemos sempre ter a certeza de que o que estamos fazendo também será benéfico, ou pelo menos não prejudicial, para nosso país. Caio Graco iniciou uma massiva distribuição de grãos para a população, mas isto exauriu o Tesouro. Marco Otávio era mais modesto na entrega de alimentos aos pobres, o que foi igualmente gerenciável para o Estado e de ajuda para os necessitados. Assim, ele serviu aos interesses de ambos.
Quem governa um país deve velar para que os cidadãos fiquem com o que lhes pertence e que o Estado não tire dos indivíduos o que é deles por direito. Quando Filipo era um tribuno, ele propôs uma lei desastrosa para distribuir terras, embora, quando sua lei foi votada, ele tenha lidado muito bem e aceitado a derrota graciosamente. Contudo, quando ele estava defendendo o projeto de lei, ele falou descaradamente para as pessoas comuns, dizendo que não havia mais de duas mil pessoas na cidade que possuíam qualquer propriedade. Tal tipo de hipérbole deve ser condenada, junto com qualquer proposta que advogue por uma distribuição igualitária de bens. Você pode imaginar agenda mais destrutiva? De fato, a principal razão pela qual temos uma constituição e um governo é proteger a propriedade individual. Mesmo que a natureza tenha levado as pessoas a se juntarem em comunidades em primeiro lugar, eles fizeram isto com a esperança de que pudessem manter o que legitimamente lhes pertencia.
Líderes políticos devem tentar evitar impor uma taxa de propriedade como fizeram nossos antepassados por causa de seu tesouro vazio e guerras constantes. Precauções para evitar este tipo de taxa deveriam ser tomadas com antecedência. Se for absolutamente necessário para um país impor tal carga (não estou me referindo a Roma em particular, mas a qualquer nação), líderes do governo devem fazer com que todos considerem que a segurança depende da implementação de tal taxa.
Também é uma tarefa daqueles que conduzem um país garantir que os cidadãos tenham em abundância o que é necessário para viver. Eu não preciso entrar nos detalhes de quais são, pois isto deveria ser óbvio. É suficiente que eu cite isto.
A coisa mais importante que os funcionários públicos devem evitar é mesmo a suspeita de ganância e ganho pessoal. Há tempo, Caio Pôncio o Samnita disse, “eu desejo que o destino me permita viver em um época em que os romanos aceitem subornos. Então eu não teria que lidar com suas regras!” Ele teria que esperar muitas gerações para que isso acontecesse, pois apenas recentemente o mal da corrupção chegou ao nosso país. Eu fico feliz que Pôncio teve vivido quando viveu, pois ele era um homem poderoso. Faz apenas um pouco mais de um século desde que Lúcio Pisão aprovou uma lei para punir a extorsão. Antes disso, não havia necessidade de tal lei. Tivemos muitas leis similares desde então, cada uma mais dura do que a anterior, e muitos funcionários públicos foram pegos e condenados. A guerra com nossos aliados italianos foi causada por causa do medo de Roma da convicção sobre tais acusações. Quando as leis e os tribunais foram revogados, nossos aliados sofreram grandes saques e pilhagem. Nós parecemos mais poderosos hoje em dia apenas por causa da fraqueza dos outros, não por causa de nossa própria força.
Panécio elogia o Africano pela integridade dele. Bem, por que ele não deveria? Embora houvesse maiores qualidades nele. De fato, quando você exalta a integridade de um homem, você também está exaltando a época em que ele viveu. Quando Paulo conquistou os macedônios e trouxe de volta toda a enorme riqueza deles, ele levou para o nosso tesouro tanto dinheiro que os espólios ganhos por um único general dispensariam a necessidade de todas os impostos sobre a propriedade. A única coisa que ele pegou para si foi a imortal glória de seu nome. O Africano imitou seu pai e não aproveitou nada de sua conquista de Cartago. E lembra do seu colega censor, Lúcio Múmio? Ele era um centavo mais rico quando destruiu Corinto, aquela que foi a mais rica das cidades? Ele preferiu adornar a Itália, não a casa dele, embora me pareça que beneficiando a Itália ele adornou sua própria casa ainda mais.
Mas eu divago a partir do ponto da nossa discussão, que é que não há maior vício do que a ganância, especialmente entre os que governam nosso país. Usar um cargo público em benefício pessoal não é apenas imoral, mas também criminoso e simplesmente perverso. Quando o oráculo de Apolo em Delfos disse aos espartanos que o único inimigo que poderia dominá-los seria a ganância, ele não se dirigia apenas a eles mas a todas as nações prósperas. Para aqueles políticos que desejam ganhar a benevolência da população, não há melhor maneira do que a moderação e a honestidade.
Enquanto que para aqueles políticos que simulam que são amigos de pessoas comuns e tentam passar leis redistribuindo a propriedade e tiram as pessoas de suas casas ou defendem leis de perdão a empréstimos, eu digo que eles estão minando as bases no nosso Estado. Eles estão destruindo a harmonia social, que não pode existir quando você tira o dinheiro de uma pessoa para dar para outras pessoas. Eles também estão destruindo a equidade, a qual desaparece quando as pessoas não podem manter o que é deles por direito. Pois, como eu disse, é papel do governo resguardar os direitos dos cidadãos de controlar suas propriedades.
***
Por anos, nós temos assistido em silêncio enquanto toda a riqueza do mundo fica nas mãos de poucos homens. Nossa complacência em deixar isto acontecer é ainda mais evidente porque nenhum desses homens sequer se importa em fingir que não está fazendo nada de errado ou ocultar a ganância.
Confira as publicações anteriores:
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (II)
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (III)
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (IV)
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (V)