Terminei de fazer a leitura de Cândido ou O Otimismo, obra escrita por Voltaire em 1759. O livro conta a história de Cândido, um jovem que a natureza o tinha dotado das melhores qualidades, nascido na Vestfália no castelo de um senhor barão.
Cândido vivia a escutar as lições do preceptor Pangloss, que dizia que “vivemos no melhor dos mundos possíveis”, usando óculos porque temos narizes, calçando sapatos porque temos pés e comendo carne de porco porque eles foram feitos para serem comidos.
Cândido, porém, foi expulso do castelo com vinte pontapés no traseiro porque simplesmente havia beijado a linda jovem de 17 anos Cunegundes, a filha do barão. Cândido passou a peregrinar pelo mundo, enfrentando os mais terríveis sofrimentos e injustiças, sem jamais perder a esperança de um dia encontrar Cunegundes.
O baronato desapareceu, Cunegundes foi violentada por búlgaros e vendida, Pangloss foi escravizado nas galés de corsários, até que certo dia Cândido a encontrou em Constantinopla, feia e rabugenta e mesmo assim, casou-se com ela.
Viviam numa chácara a escutar as lições de Pangloss e do amigo Martin que conhecera em suas andanças, ao lado da velha que cuidava de Cunegundes. Martin dizia que o homem nascera para viver nas convulsões da inquietação ou na letargia do aborrecimento.
Pangloss dizia que havia sofrido muito, mas tendo uma vez sustentado que tudo corria às mil maravilhas, havia de sustenta-lo sempre, embora não o acreditasse.
E repetia a Cândido que todos os acontecimentos encadearam o melhor dos mundos possíveis, pois que se ele não tivesse passado por tudo que lhe ocorrera, ele não estaria agora a comer amendoins e cidra doce. Ao que Cândido respondia que era preciso cultivar o jardim, focado num ensinamento de um turco de que o trabalho liberta o homem de três grandes males: a pobreza, o aborrecimento e o vício.
Ao ler Cândido volto-me à situação do Brasil. Um povo trabalhador que vive nas convulsões da inquietação por viver no melhor dos mundos possíveis. Não há melhor país no mundo que este, é o que dizem os brasileiros, apesar das suas inquietações pelo seu futuro, entregues a governos que os destroem.
E por sustentarem que tudo corre às mil maravilhas, mesmo sem acreditarem no que dizem, se compenetram no trabalho para fugirem do aborrecimento e da pobreza. Todavia, são 14 milhões de pessoas desempregadas, a economia debilitada, o erário público depenado, os políticos desacreditados, os poderes republicanos contaminados, o Estado falido, a corrupção na raiz da vida da sociedade.
Diante disto, vemos que não precisamos dessa filosofia nem de governos desse tipo. Precisamos sim, reconhecer que não vivemos no melhor dos mundos possíveis e para melhorar o nosso mundo precisamos mesmo cuidar do nosso jardim, questionando o sistema e buscando alternativas. Entendamos que não temos o melhor governo, nem tampouco o tivemos.
E não podemos continuar nos iludindo, pensando noutro governo com os mesmos personagens. O nosso melhor mundo precisa de ética e moral, muito difícil de serem obtidos com os personagens que estão aí. Portanto, vamos cultivar nosso jardim na perspectiva de realmente construirmos para nós o melhor dos mundos possíveis.