O TREM DE SAPÉ E MARI EM 1883 – OBRA DE CONSTRUÇÃO DA FERROVIA CHEGOU A EMPREGAR ENTRE 1.400 E 2.500 OPERÁRIOS, MUITO MAL PAGOS, COM PEQUENOS SALÁRIOS ATRASADOS E EM VALORES MENORES DO QUE 100$000 MIL-RÉIS – PARTE 10
Texto de Giovanni Meireles – Exclusivo para Sapé de Outrora – O Farol de Mari (Baseado na tese de Doutorado da professora Maria Simone de Morais Soares, da Universidade Federal da Bahia)
Para darmos uma idéia, os relatórios de 1880 e 1881 afirmam que haviam, respectivamente, 1.400 e 2.500 operários trabalhando na construção da estrada de ferro. Acreditamos que não havia outra empresa na província da Parahyba do Norte, naquela época, que fosse capaz de empregar, mesmo que provisoriamente, tantos operários.
Mas, a história desses operários é muito complexa de ser retratada, dada a carência de registros historiográficos, pois os documentos sobreviventes que chegaram até nós, descrevem mais veementemente a história de quem está nos cargos de poder.
Diante desse quadro, para traçarmos algumas características desses agentes, iniciamos mostrando que eles atuavam nas três fases principais da construção, que eram: a locação ou “demarcação rigorosa no terreno do traçado projetado”; o assentamento da infraestrutura da estrada, que consistia na terraplanagem, no assentamento dos lastros e construção de obras de artes e acessórios; por fim, a implantação da superestrutura, ou seja, o “assentamento dos trilhos com dormentes de madeira, sinais de parada, cruzamento, desvios e estrutura metálica das pontes.” (CECHIN, 1878, páginas 40-41).
A maior parte desses operários não mantinha relações de trabalho com a construtora Wilson & Sons (Filhos), mas faziam contratos com as subempreiteiras menores da ferrovia, pois a empreiteira maior resolveu dividir a obra em secções e destiná-las a pequenas empresas ou grupos de trabalhadores.
Essas subempreiteiras eram comandadas por um trabalhador que chefiava vários outros colegas de profissão (sem ser em regime de cooperativa organizada), que a depender do serviço que era empreitado, exigia operários com diversas qualificações.
Por exemplo, nas picadas de serviços de abertura da mata para passagem da via férrea inicial, na base da foice e do facão, não se exigia qualificação nenhuma, já para o assentamento de trilho, era preciso saber trabalhar nesse mister, sim.
É possível que alguns serviços tenham sido subempreitados a trabalhadores estrangeiros, mas acreditamos que a maioria era brasileira, sobretudo da Parahyba mesmo. Não sabemos se na Conde D’Eu houve o emprego de escravos, como aconteceu em outras ferrovias, sendo que a pesquisa não foi conclusiva quanto a este aspecto.
No início das obras havia muitas subempreiteiras que se sujeitavam aos serviços, mas parece que as exigências e falta de pagamento fez esse quadro mudar.
Em uma audiência da Câmara Provincial = Assembléia Legislativa, o Sr. Assunção (uma espécie de deputado da época, na futura cidade de João Pessoa, se fosse hoje em dia) falando da demora com que se deu para terminar os trabalhos da Conde D’Eu, afirma que havia atraso no pagamento dos trabalhadores “de modo tal procede que ninguém se queria sujeitar ao serviço” e continua afirmando que “muitos trabalhadores da estrada de ferro foram lesados no pagamento dos seus jornaes (se referindo aos recibos, vales, livro de anotações, folhas d despesas, etc)”.
E segue o parlamentar do Brasil Império: “Nós temos empreiteiros de pedaços, de lances d’essa estrada a quem a companhia alimentava com a esperança de uma recompensa; e quando esperavam elles uma ratificação nunca inferior a 500$000 Mil Réis, apenas eram pagos com 100$000 e 200$000, dando lugar até a pleitos não atendidos pelos patrões. Isto faz com que ninguém mais quisesse trabalhar e fazer ajustes, e assim se foi demorando o serviço”. (O Liberal Parahybano, 1º de dezembro de 1883)
Para ilustrar essa situação, encontramos o relato de um subempreiteiro sobre como era o trabalho, que – segundo o autor – era a denúncia de “um pigmeu contra um gigante, procurando o juízo do público, embora medroso de ser esmagado pelo carro e poderio de quem o monta”.
Tratava-se de Porfírio Venâncio da Costa Bahia, um subempreiteiro que trabalhou na estrada de ferro, e escreve seu relato na povoação de Mulungu, em 21 de dezembro de 1883, cujo título dado foi “Eu e a Empreza da Ferro-via Conde d’Eu” (escrito no idioma português arcaico da época oitocentista), no qual vai denunciar os abusos e o não recebimento de seu trabalho de anos dedicado. A importância desse relato para entendermos as relações de trabalho nos fez apresentá-lo com mais detalhes”. (O Liberal Parahybano, 28 de janeiro de 1884, página 4),
Texto de Giovanni Meireles, jornalista – Exclusivo para Sapé de Outrora – O Farol de Mari.