O TREM DE SAPÉ E MARI EM 1883 – PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA TRAZ GREVES DE OPERÁRIOS, CONFLITOS COM O CANGACEIRO ANTONIO SILVINO E DINHEIRO EMPRESTADO PARA PAGAR EM MAIS DE 60 ANOS DEPOIS – PARTE 18
Pesquisa de Giovanni Meireles – Exclusiva para Sapé de Outrora – Portal O Farol de Mari – Baseada em dados compilados pelo professor Josemir Camilo da UFCG.
Inspirada na companhia inglesa Great Western Railway criada em 1835, a Great Western of Brasil obteve a autorização para funcionar no Brasil em 1873, com uma concessão de 1870 obtida do comerciante José Pereira Viana, que não possuía condições de construir a linha férrea.
Em 1879, têm início as obras a partir do Largo do Brum, na cidade do Recife, e o primeiro trecho até Pau d’Alho foi inaugurado em 1881, com 48,8 quilômetros de extensão.
No ano seguinte, os trilhos alcançam Limoeiro, no quilômetro 83. Sua linha atravessava uma rica região onde havia na época, 355 engenhos de cana, garantindo-lhe consideráveis receitas operacionais no médio prazo, o que não costumava ocorrer com as demais ferrovias, como pode ser demonstrado na E.F. Paulo Afonso, construída entre 1881 e 1883 e que sempre foi deficitária, em função de sua curta abrangência e atendimento a uma região muito pobre dos Estados de Alagoas e Pernambuco – com 115 quilômetros de extensão, fora construída com o objetivo de evitar o trecho não navegável do rio São Francisco de forma totalmente isolada do resto da malha ferroviária local.
Logo após a Proclamação da República (15/11/1889), a década de 1890 foi um período de fortes turbulências políticas e financeiras no País. Com a Crise do Encilhamento, as diversas ferrovias de situação financeira frágil que se beneficiavam das garantias e subsídios de 1873 foram à falência, e logo o Governo Federal, ainda precisava sustentar a enorme quantidade de empresas insolventes com as contas no vermelho.
O estouro da bolha de crédito em 1891 levou o País à calamidade, e tornou-se urgente administrar a hemorragia nos cofres públicos. No dia 15 de junho de 1898 foi criado por Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda do então presidente Campos Salles, o Funding Loan com o banco Rotschild, acordo no qual o Governo Brasileiro adquiriu um empréstimo de £ 10.000.000,00 (Dez Milhões de Libras Esterlinas, em moeda inglesa) e emitiu títulos denominados United States of Brazil 5% Funding Bonds a serem resgatados dentro de um período de 63 anos.
Como tornou-se mais barato à União o pagamento dos juros desse empréstimo, foi possível expropriar as ferrovias com a apresentação desses títulos em detrimento do regime de juros garantidos, o que logo mostrou-se uma consequência desastrosa para essas companhias nordestinas. De acordo com a revista inglesa The Investors’ Review, o calote do Governo Brasileiro agravou uma situação já defeituosa.
A solução adotada para as despesas, de acordo com a revista The Economist, em 1902, foi a fusão das pequenas vias férreas em empreendimentos maiores, com o objetivo de tornar a malha ferroviária lucrativa, como pode ser observado no caso das ferrovias nordestinas: Em julho de 1901, a Great Western assume a E.F. Recife ao São Francisco, junto com a E.F. Sul de Pernambuco.
Em janeiro de 1902, a falida Conde d’Eu foi resgatada pelo Governo Federal por 615.000 libras, junto com a E.F. Natal a Nova Cruz. Em janeiro de 1903 aconteceu o mesmo com a precária E.F. Paulo Afonso e a Central de Alagoas; e por fim a Central de Pernambuco, em 1904. Agora cabia à Great Western, como a maior ferrovia do Nordeste e a terceira maior do Brasil em extensão, operar e desenvolver essa enorme massa falida de mais de 450 quilômetros.
A primeira necessidade era a unificação das bitolas: Em 1904 o trecho de Recife ao São Francisco (que nunca atingiu o rio, terminando em São Bento do Una, no quilômetro 125) foi convertido em bitola Métrica, para a integração ao restante da malha. A ligação das linhas foi feita na cidade de Pilar, na Zona da Mata Paraibana, onde encontravam-se as linhas do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Com uma malha de mais de 1.500 quilômetros de linhas próprias e arrendadas, a Companhia passou por muitos anos ajustando-se ao súbito aumento de tamanho, passando por greves (com destaque para os anos de 1901, 1902 e 1909) nas quais os funcionários exigiam a regularização das condições de trabalho, aumentos salariais e negociações com o Centro Protetor dos Operários, fundado no Recife em 1900.
ASSALTOS AO TREM PAGADOR – CANGACEIROS COBRAVAM PEDÁGIO PARA DEIXAR LOCOMOTIVA E COMBOIO DE VAGÕES PASSAR E CORTAVAM ATÉ OS FIOS NOS POSTES DO TELÉGRAFO DA FERROVIA
Também surgiram na primeira década de operações, os primeiros problemas com os assaltos de cangaceiros e as estiagens no sertão nordestino. Não tardou até que a companhia ferroviária inglesa, apelidada pelos nordestinos de “Gretoeste” se tornasse parte da cultura popular, com diversas histórias como o conflito com o cangaceiro Antônio Silvino, que aterrorizava os ingleses cortando fios telegráficos, danificando trilhos e extorquindo passageiros, e até chegou a barganhar com os diretores da empresa a permissão para as obras em troca de trinta contos de réis. Sua sorte acabou no dia 27 de novembro de 1914, quando foi ferido em Taquaritinga e levado à prisão e julgamento por um trem especial que o aguardava na estação de Caruaru.
Texto de Giovanni Meireles, jornalista – Exclusivo para Sapé de Outrora – O Farol de Mari.