Número representa quase o dobro do que havia em 2018, quando o IBGE identificou 10,3 milhões de brasileiros nessa situação
Pela primeira vez aos 17 anos, mais da metade da população não tinha certeza se se haveria comida suficiente em casa no dia seguinte, teve que diminuir a qualidade e a quantidade do consumo de alimentos e até passado.
São 116,8 milhões de pessoas que situam-se de insegurança alimentar no Brasil, de acordo com pesquisa divulgada na segunda-feira pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), que reúne pesquisadores e professores ligados à segurança alimentar.
Uma pandemia deixou 19 milhões com fome em 2020, atingindo 9% da população brasileira, a maior taxa desde 2004, há 17 anos, quando essa parcela tinha alcançado 9,5%. E quase o dobro do que havia em 2018, quando o IBGE identificou 10,3 milhões de brasileiros nessa situação.
“Uma pesquisa revela um processo de aceleração intensa da fome, com um crescimento que passa a ser de 27,6% ao ano entre 2018 e 2020. Entre 2013 e 2018, o aumento foi de 8% ao ano. Chegamos à final de 2020 com 19 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, mas podemos supor que agora no primeiro trimestre deste ano a situação já piorou ainda mais. É urgente conter essa escalada. Não se pode naturalizar essa questão como uma fatalidade sobre o qual não pode intervir”, destaca Francisco Menezes, analista de Políticas e Programas da ActionAid.
Mais mulheres e negros
Rosana Salles, uma das pesquisadoras responsáveis pelo levantamento da Rede Penssan e professora de Nutrição da UFRJ, diz que além do aumento da fome, o que chamou a atenção foi a “queda brusca na segurança alimentar”, quando as famílias não têm problemas para comida na mesa, que caiu de 63,3% em 2018 para 44,8%. É o menor índice da série iniciada em 2004.
— O acesso insuficiente na quantidade e qualidade da alimentação para a família cresceu muito, principalmente a insegurança leve (não há garantia de que a família será capaz de comprar comida). Esse é o primeiro prejuízo, que vem com a perda de emprego ou corte do salário. Mas não imaginávamos que menos da metade da população tinha segurança alimentar no Brasil.
A insegurança alimentar subiu de 20,7% em 2018 para 34,7%, em 2020, “mostrando que a classe média não foi poupada dos efeitos da pandemia”, afirma Renato Maluf, coordenador da Rede PENSSAN.
E como perspectivas não são animadoras. No último trimestre do ano passado, quando a pesquisa foi feita, ainda estava sendo pago o auxílio emergencial no valor de R$ 300. Benefício que foi cortado no início do ano e só começou a voltar nesta terça-feira, três meses depois, num valor menor e para menos famílias.
A incidência da fome é maior nas casas onde a renda per capita é de meio a um salário mínimo, como que são chefiadas por mulheres e por negros.
Existem fome em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres. Quando a pessoa de referência é um homem, a parcela do que passa fome é de 7,7%. As pessoas pretas ou pardas enfrentam insegurança alimentar grave em 10,7% dos lares, contra 7,5% entre os brancos.
— Já tinha visto isso em dados de 2018. Quando a pessoa de referência de família é mulher, é negra ou tem baixa escolaridade, a fome aumente ainda mais — diz Rosana.
A pesquisa teve apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria de ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Stiftung Brasil e Oxfam Brasil.
Do Exame