Durante a semana tivemos o dissabor de assistirmos a dois acontecimentos repugnantes que confirmam a condições de deterioração do ser humano. Caminhamos a passos largos para nos tornarmos seres desprezíveis, doentes e sem qualquer sentimento. O conceito de humanidade foi adulterado por pessoas que se afastaram das características do homem social. Somos animais horrorosos, sem alma, frios, egoístas e sem vida.
No início da pandemia aqui no Brasil, uma amiga nossa, Laize Gomes, uma pessoa sensata, sempre ligada aos fatos sociais e humanos, e que consegue fazer uma leitura de situações, desprovida de paixões e dogmas arraigados e doentios, trouxe para o debate a seguinte situação: ” Vamos pensar? O que a pandemia me ensinou?”. As pessoas opinaram de várias maneiras inteligentes e eu me posicionei da seguinte maneira: “Meus amigos, acho surreal a gente precisar de uma tragédia para aprender algo. Todos sabemos que só o amor, a solidariedade, a compreensão e a empatia podem salvar o mundo. Isso não vai acontecer porque somos irracionais e egoístas. Tem gente aí já fazendo planos de uma grande festa quando tudo passar. A dúvida é: será que vai dar tempo? Deus abençoe a todos”. Chegamos aos dias de hoje e eu me deparo com uma realidade que faz coro ao meu posicionamento lá no mês de maio próximo passado: a pandemia nada nos ensinou até agora, somente nos trouxe uma realidade: continuamos irracionais, insensatos e egoístas, com as exceções que existem, claro.
Voltemos aos fatos a que me refiro no preâmbulo. Dados registrados em planilha que elaboramos nos dão conta de que o Rio de Janeiro é o pior gestor da pandemia desde o início, hoje com uma média de letalidade em percentual de 9,5%., muito acima da média Brasil, que é de 5,35%. É fácil compreender os motivos dessa tragédia anunciada. Uma combinação de desmandos políticos, que sucatearam a saúde pública no Estado, com o descrédito popular e consequente relaxamento com os cuidados sanitários, contribuem para o caos instalado no Rio de Janeiro, situação agravada pelo baixo nível cognitivo do povo e porque não dizer, o descompromisso com a vida. O pessoal lá, a exemplo da maioria dos brasileiros, optou por morrer feliz e em divertimento.
O que assistimos no bairro do Leblon, por ocasião da abertura dos bares, de forma açodada, pois os índices de contaminação e mortes no Rio, não autorizam a ninguém afrouxar o controle sobre a pandemia. O Leblon, para quem não conhece, é um bairro da elite na zona sul. Pobre não mora lá. Não senhor. A meritocracia não permite, pois é impensável um pobre, com o seu trabalho, esforço e fé, consiga se equiparar, um dia, aos inquilinos do extrato social abastado da sociedade, essa cada vez mais insensível com os níveis de desigualdade social, que levam algumas pessoas a habitarem as ruas e se constituírem em pobres miseráveis, condenados ao exercício pedinte da esmola para a sua sobrevivência. E aí somos remetidos à outra vergonha e descabimento, que passamos a abordar no próximo parágrafo.
Em momento de infeliz posicionamento, duas senhoras da alta sociedade paulistana travam um diálogo tão asqueroso que chega a nos causar ânsia de vômito. Na conversa macabra, as “pobres” senhoras defendiam enfática e sadicamente que não devemos dar comida a pedintes nas ruas, pois assim os incentivamos a saírem nas ruas, e pelo que se denota, causam um certo desconforto para a elite, que se obriga a contemplar cenas de “miseráveis” pedintes, a atrapalhar transeuntes de classe social especial. Imagina! É um desconforto para esses asquerosos que se julgam melhor do que os outros. Não sabem que suas atitudes são abomináveis. Depois, essas figuras vêm a público, se desculpam, e tentam justificar que foram mal interpretadas e que suas falas desumanas foram tiradas do contexto. Seria melhor que nunca se desculpassem, pois o cinismo com que se apresentam consegue aumentar nossa revolta com esse tipo de atitude condenável.
A pandemia nos mostra muita coisa, mas não nos ensina nada. Ela escancarou e expôs a ferida da sociedade, que é a desumanidade e a falta de empatia.