No auge da minha adolescência, quando eu era aluno do curso ginasial, eu aprendi que não só existiam as virtudes pessoais, mas também aquelas que são inerentes aos políticos, as virtudes religiosas e morais e as virtudes políticas. Trata-se, pois, de virtudes próprias, inerentes a cada uma das esferas, as virtudes particulares e as virtudes públicas.
É natural e compreensível que as pessoas desejam que os governantes sejam virtuosos, segundo as virtudes religiosas. Governantes sérios, honestos, verdadeiros, honrados, probos, capazes, eficientes. As virtudes religiosas dariam o norte e a sustentação aos homens públicos, no exercício dos seus mandatos e de suas funções. Com isto a sociedade estaria garantida, entregue nas mãos de homens virtuosos.
A realidade, porém, é outra. Os governantes e os políticos não exercitam virtudes religiosas, senão as virtudes públicas, que destoam das expectativas dos cidadãos. Ao governante interessa a conquista e a permanência no poder e para isto tudo é válido em razão das circunstâncias. Por isto, a mentira pode ser uma virtude, contanto que contribua para a manutenção do poder.
A virtude para o governante é a astúcia política, a destreza em obter sucesso, alcançando com isso a glória e a manutenção do poder. Este é o conceito maquiavélico da virtude política, longe, portanto, da virtude religiosa, que tem a bondade como âncora. Isto porque o que interessa à política são os destinos do mundo em que vivemos e não a possibilidade de salvação ou condenação do indivíduo após a morte.
É nesse sentido que a virtude maquiavélica (virtù) deve ser compreendida: uma virtude política que responde ao apelo da sociedade. Para Maquiavel, todo aquele que aspira ser um grande líder político precisa ter essa habilidade ou essa virtude. Ler O Príncipe é ter acesso a esse pensamento filosófico, que demonstra que o governante ou o príncipe deve ser guiado pela necessidade e não pela moralidade.
Para manter-se no poder o príncipe deve agir com sabedoria, ou seja, agir conforme as circunstâncias. Deve também aparentar possuir as qualidades requeridas pelos governados, a fim de que a aparência se sobreponha à essência. A política tem uma ética que não é a ética religiosa. Ela não exige que o governante ou o príncipe seja um homem bom, que cumpre suas promessas feitas ao povo. Basta que ele se guie pelas necessidades oriundas das circunstâncias, tenha a astúcia para identifica-las e a sabedoria para agir em face delas.
A deputada federal Cristiane Brasil foi indicada pelo PTB para nomeação pelo Presidente da República Michel Temer para o cargo de Ministro do Trabalho. Ocorre que a deputada havia sido condenada pela Justiça do Trabalho por descumprimento da lei trabalhista, tendo sido impedida de assumir o cargo pela Justiça Comum em razão de ação popular proposta pelo Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes. A condenação por si só é fato desabonador ao exercício do cargo de Ministro do Trabalho. Como que entregar à raposa a guarda do galinheiro, o problema envolve a questão de moralidade administrativa.
O Palácio do Planalto recorreu da decisão de suspensão da posse. Embora seja um procedimento legal, à luz da filosofia maquiavelista o Presidente da República não está agindo virtuosamente, mas expõe uma situação que sobrepõe a essência da questão em detrimento de sua aparência. Para a sociedade trata-se de um caso de moralidade pública que tem respaldo constitucional, enquanto para o Presidente trata-se de adquirir apoio partidário para aprovação da reforma da Previdência. E a sociedade não quer uma coisa nem outra.
Embora a virtude política não seja a virtude moral, a moralidade pública é objeto do direito constitucional e interfere na vida política nacional. Convém, pois, ao Presidente, ter a astúcia para identificar a inquestionabilidade da mudança da nomeação da deputada e agir sabiamente de modo a assegurar o alcance dos objetivos políticos maiores pretendidos.